Pessoal,
Segue o resumo da obra "O Cortiço".
Beijos
A Obra
O Cortiço (1890), expressão máxima do Naturalismo Brasileiro, apresenta
como personagem principal João Romão, português que pode ser encarado como metáfora
do capitalismo selvagem, pois tem como principal objetivo na vida enriquecer a
qualquer custo. Ambicioso ao extremo, não mede esforços, sacrificando até a si
mesmo. Veste-se mal. Dorme no mesmo balcão em que trabalha. Das verduras de sua
horta, come as piores: o resto vende.
Mas sua ascensão não se vai basear apenas na autoflagelação. Explora
descaradamente o próximo. O vinho que vende aos seus clientes é diluído em água
(fica aqui nas entrelinhas a idéia de que o brasileiro está destinado a ser
explorado pelo estrangeiro). Mas o mais sintomático de seu caráter está na sua
relação com Bertoleza.
Era essa uma escrava que ganhava a vida vendendo peixe frito diante da
venda de João Romão. Os dois tornam-se amantes. O protagonista aproveita as
economias dela e, mentindo que havia comprado a sua carta de alforria, investe
em seus próprios negócios, construindo três casinhas, imediatamente alugadas.
Com o tempo, de três chegam a 99 casinhas (na realidade, o progresso é
devido não só ao tempo. Há também o dinheiro dos aluguéis que vai sendo
investindo, numa postura claramente capitalista, e também o furto que João
Romão e sua amante vão realizando do material de construção dos vizinhos),
tornando-se o Cortiço São Romão (a maneira como Aluísio Azevedo descreve a origem
e o estágio atual desse fervilhar tem claro gosto naturalista.
No primeiro aspecto, as condições do meio – água à vontade – permitiram
que a moradia coletiva se desenvolvesse. Existe, nesse tópico, uma forte
influência dos avanços que a Biologia estava tendo na época.
Quanto ao segundo aspecto, a maneira como são descritos os moradores em
sua agitação, semelhantes a larvas minhocando num monte de esterco, é de uma
escatologia tradicional a essa escola literária, rebaixadora ou mesmo
aniquiladora da nobreza humana, ao comparar degradantemente suas personagens a
animais, num processo conhecido como zoormorfismo. Aqui está a salvação do
romance.
Aluísio Azevedo tem deficiências no trato de personagens, tornando-as
psicologicamente pobres, o que pode ser desculpável, pois o Naturalismo tem uma
predileção por tipos. Essa característica vem a calhar a um autor que se
notabilizara como caricaturista.
De fato, os moradores do cortiço vão formar uma galeria de tipos
extremamente rica, colorida, autorizando-nos a dizer que essa coletividade é
que se torna a melhor personagem da obra. A moradia coletiva comporta-se como
um só personagem, um ser vivo.
Nesse lugar, encontramos inúmeras figuras, cada uma representando um
mergulho nas diferentes taras (o enfoque das patologias sexuais, apresentando o
homem com um prisioneiro dos instintos carnais – bem longe da imagem idealizada
de racionalidade e nobreza – é uma das predileções do Naturalismo) e facetas da
decadência humana.
Há vários exemplos, como Neném, adolescente negra de libido explosiva
que acaba perdendo a virgindade nas mãos de um empregado de João Romão. Cai na
vida. Existe também Albino, de tendências homossexuais, ou então Machona, de
pulso firme, tanto denotativa quanto conotativamente.
Botelho, homem corroído pelas hemorróidas (a menção a esse detalhe,
degradante, é típica do Naturalismo) e pelo pior tipo de materialismo – o
alimentado pela cobiça de quem não tem nada.
Pombinha, moça afilhada da prostituta Léonie, que é responsável também
por sua iniciação sexual. A menina é noiva de João da Costa. Seu casamento
seria a garantia de saída daquela moradia pobre. Mas sua mãe tinha escrúpulos
que adiavam o casamento: enquanto a filha não se tornasse mulher – ou seja,
tivesse sua primeira menstruação – não podia casar-se.
No entanto, a menarca estava por demais atrasada, o que se transformava
num drama acompanhado pelos moradores do cortiço, que a tratavam como a flor
mais preciosa (é também típica do Naturalismo essa força que os aspectos
biológicos exercem sobre o caráter da personagem). Enquanto não tem sua
primeira menstruação, é menina pura.
Tanto que, uma das poucas alfabetizadas e dotadas de tempo ocioso,
dedica-se a ler e a escrever as cartas dos diversos moradores do cortiço,
entrando em contato com a podridão das paixões humanas. Mas isso não macula sua
inocência até o momento em que, mulher – ou seja, já capaz de menstruar e,
portanto, cumprir seu papel biológico de reprodução –, adquire maturidade para
entender o que se passa entre aquela multidão de machos e de fêmeas.
Com nojo de tudo o que via, desencanta-se. No fim, vira lésbica e cai na
vida, principalmente por influência de sua iniciadora, Léonie (outra leitura
interessante que se pode fazer em O Cortiço é captar o destino a que é
submetida a mulher. Ou se torna objeto do homem, ou sabe seduzir, de objeto
tornando-se sujeito, ou despreza-o totalmente. Qualquer uma dessas posições é,
na óptica da obra, degradante).
Mas a mais famosa personagem é a mulata Rita Baiana. Flagramo-la
voltando de uma temporada com seu mais novo namorado, Firmo. Ela representa a
explosão de sensualidade de um tipo brasileiro (nesse ponto, há uma famosa
característica do Naturalismo: o Determinismo. O comportamento humano, de
acordo com essa doutrina filosófica, estaria condicionado a fatores de raça,
meio e momento. Assim, Rita Baiana, como mulata e brasileira (raça e meio),
seria sensual. Uma leitura mais rigorosa hoje entenderia essa doutrina como uma
pseudociência a disfarçar um preconceito).
Como é adorada pelos homens, mulheres e crianças do cortiço, seu retorno
é marcado por imensa festa. É nesse momento que acaba encantando o coração de
Jerônimo, português recém-chegado à moradia, que viera para trabalhar na
pedreira de João Romão.
Sua paixão faz com que se abrasileire imediatamente. Perde o vigor
típico de sua raça para o trabalho. Passa até a gostar de nossa bebida e comida
(mais uma vez, o meio influenciando a personalidade. Mais uma vez, o
Determinismo, mesclado a visões preconceituosas).
Sua paixão vai esbarrar nos brios de Firmo, que chega a se desentender
com o português. Num golpe de capoeira, rasga a barriga do estrangeiro com uma
navalha.
Situação crítica, passa a morar num outro cortiço na mesma rua,
apelidado de Cabeça de Gato (havia quem dissesse que esse segundo cortiço
pertencia a alguém da nobreza, talvez até ao Conde d’Eu, marido da Princesa
Isabel, o que revelaria a existência de gente que se beneficiava com o processo
desorganizado de urbanização no Brasil, gerador de sub-moradias como os cortiços),
o que acirra a rivalidade entre as duas moradias.
A situação piora quando Jerônimo manda matar a pauladas o seu rival.
Enquanto foge com Rita Baiana (abandonando descaradamente sua esposa), as duas
moradias mergulham num conflito. O Cortiço São Romão sofre a invasão dos
moradores do Cabeça de Gato, que só é interrompida por causa de um incêndio que
eclode.
Facilmente João Romão, rico, refaz o seu cortiço. Aliás, está com outros
planos: quer subir o nível de seus moradores. É um reflexo de seu desejo: quer
aceitação social. Para tanto, além de ativar uma vida social, sonha em se casar
com a filha de seu vizinho, Zulmira.
Esse nobre morador era também português, há mais tempo estabelecido no
Brasil. Seu nome: Miranda (assim como na relação entre Léonie e Pombinha, no
caso Miranda e João Romão há uma demonstração do Determinismo. Personagens
submetidas às mesmas influências acabam tendo o mesmo destino).
Havia-se mudado para a periferia na vã esperança de que, longe do
Centro, sua esposa iria deixar de traí-lo. Inútil. Estela (esse era o nome
dela) era obcecada por sexo, fazendo-o indiscriminadamente com os empregados e
até com gente mais jovem, como Henriquinho, moleque que fora hospedado pelo
marido.
Fazia-o até com o marido, mesmo brigados. De noite, os dois
entregavam-se aos instintos; de dia, nem se falavam (a maneira como Miranda se
utiliza de sua esposa é de uma escatologia de claro gosto naturalista: usa a
mulher como alguém que recorre a uma escarradeira).
Miranda enxergava João Romão como inimigo provavelmente porque, além de
estar com inveja de seu enriquecimento volumoso, sentia-se incomodado com
aquela gentalha agitada grudada nos fundos de sua casa. No entanto, entra em
acordo de interesses com seu agora ex-inimigo. Miranda tem a nobreza de que
João Romão necessita. João Romão tem o dinheiro de que Miranda necessita. Nada
mais conveniente do que a união de famílias.
O problema era Bertoleza. Sem o mínimo escrúpulo, João Romão denuncia
aos herdeiros do antigo dono dela o paradeiro dessa escrava fugida. Só que ele
não contava que ela, quando da visão dos soldados, fosse rasgar sua própria
barriga com a mesma faca com que tratava peixe, estrebuchando como uma anta até
morrer (essa cena final, dotada de inúmeros traços degradantes, é um dos
primores do estilo naturalista. Vale a pena ser lida).
Ironicamente, assim que essa espantosa cena se desenrola, pára diante da
casa de João Romão uma carruagem. Dela descem pessoas que vinham entregar uma
homenagem ao protagonista, por ter-se mostrado um homem preocupado com a
situação do negro e a causa abolicionista.
Um final irônico, bem ao sabor de Eça de Queirós, seu grande mestre (há
quem enxergue nessa filiação queirosiana uma explicação para os lusitanismos
tão comuns nos textos de Aluísio Azevedo. Na realidade, a justificativa para
esse fato é outra.
Em primeiro lugar, esse autor naturalista é filho de portugueses, o que
já faria compreensível o emprego de expressões típicas da variante européia de
nossa língua. Além disso, o escritor é nascido e criado em São Luís do
Maranhão, cidade que, na época, ainda mantinha fortíssimos vínculos com
Portugal, influenciando até em sua linguagem).
Nenhum comentário:
Postar um comentário